Desarticulação do quadril - análise de séries de casos e revisão de literatura | Virtual world

Discussão

A desarticulação do quadril é uma cirurgia complexa e pouco frequente, realizada apenas como última opção em casos extremos.1, 5 A literatura sobre esta cirurgia é escassa, principalmente na forma de relatos de casos e pequenas séries.5 Uma revisão dos artigos mais relevantes relacionados às luxações de quadril é apresentada abaixo.

Endean et al.6 analisaram uma série de 53 luxações de quadril realizadas em 24 anos; as indicações incluíram tumores (n = 17), isquemia associada a infecção (n = 14), infecção (n = 12), e isquemia (n = 10). Os tipos predominantes de tumores foram os sarcomas, mais freqüentemente lipossarcoma, condrossarcoma e histiocitoma fibroso. O grupo de infecção compreende oito infecções graves de partes moles, três feridas de pressão e três casos de osteomielite femoral. Os pacientes do grupo isquêmico apresentavam doença vascular periférica e seis deles foram submetidos previamente a cirurgias de revascularização. No grupo de isquemia associada à infecção, todos os pacientes foram previamente submetidos a cirurgias de revascularização, bem como amputações de membros distais. Esses autores observaram uma taxa de complicações da ferida operatória de 60%, sendo mais freqüente no grupo de isquemia associada à infecção (em 83%). Os tipos mais comuns foram infecções e necroses da ferida operatória. A mortalidade média foi de 21%, variando de 0% nas causadas por tumor a 50% nas causadas por isquemia. Uma associação estatisticamente significativa foi observada entre amputação supracondiliana prévia, cirurgia de urgência e índice de complicação da ferida cirúrgica. Além disso, a taxa de mortalidade foi significativamente maior em cirurgias urgentes (33%), quando comparada com cirurgias eletivas (4%). A presença de isquemia associada à infecção de membros e doença cardíaca foi o maior preditor de mortalidade. Dénes e Till7 analisaram uma série de 63 luxações, cujas indicações foram isquemia arterial (n = 34), tumor (n = 24), e infecção (n = 4). Complicações da ferida cirúrgica foram observadas em 64,86% dos pacientes cuja desarticulação teve causa vascular e em 20,83% dos pacientes com causa tumoral. A taxa de mortalidade no primeiro mês de pós-operatório variou de 43,24% naqueles com causa vascular a 0% naqueles com causa tumoral. Todos os pacientes que foram submetidos à desarticulação devido a um tumor foram capazes de andar com um membro protético; em contraste, daqueles cuja etiologia era vascular, apenas duas próteses foram utilizadas e 19 tornaram-se dependentes de cadeira de rodas. Unruh et al.8 apresentaram uma série de 38 luxações de quadril ao longo de 11 anos de experiência. Quatro pacientes foram desarticulados bilateralmente e 20 das desarticulações ocorreram em um membro previamente amputado, 13 deles durante o mesmo período de internação. As indicações para as desarticulações foram isquemia secundária à aterosclerose (n = 17), osteomielite femoral (n = 10), e trauma (n = 11). Os autores relataram infecções pós-operatórias (63%) como sendo a complicação mais freqüente. No pós-operatório, foram observados choque séptico (21%), choque hemorrágico (11%), coagulopatia disseminada (11%), insuficiência renal aguda (24%) e disfunções cardíacas (26%) e pulmonares (24%). A taxa média de mortalidade foi de 44%: 60% em casos de isquemia associada à infecção, 20% em casos de isquemia sem infecção, 22% em casos de osteomielite femoral, 100% em casos de trauma associado à infecção, e 33% em casos de trauma sem infecção. Esses autores afirmaram que a presença de infecção pré-operatória triplicou o risco de morte após a desarticulação do quadril. Quanto à funcionalidade, observaram que nenhum dos 19 sobreviventes foi capaz de usar o membro protético, apenas quatro foram capazes de andar com um andarilho, 12 eram dependentes de cadeira de rodas e três estavam acamados. Fenelon et al.9 apresentaram uma série de 11 desarticulações secundárias a complicações infecciosas da artroplastia de quadril. As indicações para a desarticulação foram infecções graves de tecido mole fistulizante e do fêmur, um caso de perda óssea femoral pronunciada e um caso de aneurisma falso rompido da artéria ilíaca externa. A desarticulação foi urgente em seis casos e eletiva nos demais; nenhum óbito foi observado no período perioperatório. Os microorganismos mais comumente encontrados foram Staphylococcus aureus, Pseudomonas e Proteus; 81,82% dos pacientes desarticulados já haviam sido submetidos a quatro ou mais cirurgias de revisão de artroplastia de quadril. Os autores sugerem que algumas luxações poderiam ter sido evitadas se uma artroplastia de ressecção tivesse sido realizada ao invés de repetidas revisões de prótese. Avaliando os resultados funcionais dos oito sobreviventes no momento da revisão, seis pacientes eram capazes de andar, quatro com andadores e dois com membros protéticos, e dois acamados. Houve também três casos de complicações de feridas cirúrgicas e dois casos de dor fantasma. László e Kullmann10 estudaram 29 luxações de quadril de origem isquêmica e também encontraram um alto índice de complicações da ferida cirúrgica. A cicatrização por primeira intenção só ocorreu em dois casos; a cicatrização por segunda intenção com necrose superficial foi observada em 13 casos, sendo que houve 12 casos de necrose profunda. A taxa de mortalidade no período perioperatório foi de 37%. Apenas dois pacientes usaram regularmente o membro protético. Observou-se que a taxa de mortalidade foi maior quando os pacientes haviam sido submetidos a amputações distais prévias. A maioria dos pacientes tinha sido submetida a uma média de 2,3 amputações distais prévias e 2,9 cirurgias conservadoras de membros. Esses autores concluíram que a agressão cirúrgica aumenta o risco de mortalidade e que a amputação deve ser realizada primeiro no nível adequado, de modo a não submeter o paciente a várias cirurgias. Outro estudo de 15 luxações por infecção, sete por infecções necrosantes e oito por infecções persistentes da coxa proximal, indicou que o patógeno mais comum era Staphylococcus aureus, presente em oito pacientes.5 As cirurgias foram eletivas em oito pacientes e as emergências em sete. Todos os pacientes sobreviveram à cirurgia; apenas uma morte foi registrada, no 29º dia após a desarticulação.5 Os autores concluíram que a desarticulação do quadril como tratamento de infecções graves do quadril e da virilha pode resultar em altos níveis de sobrevida, mesmo em casos de cirurgia de emergência, e atribuem esses resultados ao envolvimento multidisciplinar e à experiência no tratamento cirúrgico e pós-cirúrgico realizado na unidade de terapia intensiva em sua instituição.5 Jain et al.11 estudaram 80 luxações, exclusivamente devidas ao tumor, e constataram que os tipos histológicos predominantes foram osteossarcoma (n = 27), condrossarcoma (n = 8), leiomiossarcoma (n = 8) e lipossarcoma (n = 6). Em 52,5% dos casos, a desarticulação foi realizada como primeira cirurgia, enquanto no restante, a cirurgia foi realizada devido à recidiva local após uma tentativa de cirurgia de ruptura de membros. A sobrevida em cinco anos da desarticulação primária foi de 32%, enquanto que para as recidivas locais foi de 25%. Houve dez casos de recidiva local após a desarticulação com margens de ressecção inadequadas. Dos 11 pacientes que responderam ao questionário sobre funcionalidade, apenas um foi capaz de utilizar um membro protético regularmente; oito pacientes relataram dor fantasma.

Na presente amostra, observamos que a maioria das desarticulações devido à infecção ocorreu no contexto de pacientes com próteses tumorais grandes, o que está de acordo com o maior risco dessas reconstruções desenvolverem infecção, não apenas devido à extensão e duração da cirurgia, mas também ao estado imunocomprometido dos pacientes.12 Previsivelmente, complicações após a desarticulação do quadril são freqüentes, não só devido à extensão da cirurgia, mas também porque os pacientes freqüentemente apresentam situações extremas, com comorbidades múltiplas e instabilidade hemodinâmica. A literatura apresenta resultados controversos sobre mortalidade após a desarticulação do quadril; as taxas variam de acordo com a indicação, estado clínico do paciente e o grau de urgência da cirurgia.6, 7, 8, 9, 10 No presente estudo, é evidente que as melhores taxas de sobrevida foram observadas na cirurgia eletiva, particularmente nas causas infecciosas e tumorais. Em contrapartida, os pacientes politraumatizados graves, em situações de emergência e muitas vezes associados à instabilidade hemodinâmica, apresentam os piores resultados em termos de sobrevida e taxa de mortalidade. Os poucos estudos que analisam resultados funcionais após a desarticulação do quadril demonstraram que os pacientes apresentam má qualidade de vida e dificuldades significativas na recuperação da marcha e no uso de próteses de substituição para o membro inferior.7, 8, 9, 11, 13, 14 O gasto energético para a marcha em pacientes submetidos à desarticulação do quadril aumenta em 82%, portanto o paciente é freqüentemente confinado a uma cadeira de rodas ou acamado.5, 8, 15 Além disso, Nowroozi et al.15 indicam que, em pacientes desarticulados, a marcha com membro protético leva a um maior consumo de energia quando comparado com a marcha com muletas. Esta afirmação é corroborada pelo presente estudo, já que metade dos sobreviventes caminha com muletas sem o uso do membro protético, enquanto apenas 25% podem usar a prótese. Dénes e Till.7 relataram que o sucesso funcional depende da causa da desarticulação e defendem que, em geral, aqueles devidos a tumor e trauma são mais adequados à marcha do que aqueles devidos a condições vasculares. Na presente amostra, as razões mais comuns para a desarticulação em pacientes que atualmente são capazes de caminhar foram infecção e tumores; o único paciente vivo com uma condição isquêmica é acamado. A motivação individual, idade, estado geral de saúde e comorbidades do paciente são considerados fatores cruciais para a recuperação da marcha.11

As limitações do presente estudo foram o pequeno número de indivíduos na amostra e o fato de se tratar de um estudo observacional retrospectivo. Amostras maiores provavelmente poderiam mudar algumas das tendências estatísticas para diferenças estatisticamente significativas.

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