Glucagonoma syndrome in a dog

CASO CLÍNICO

Síndrome do gucagonoma em cão*

Glucagonoma syndrome in a dog

Marconi Rodrigues de FariasI; Carolina Zaghi CavalcanteII; Juliana WernerIII; Noeme Souza RochaIV; Thiago SillasV

IProfessor adjunto I de Semiologia, Clínica e Cirurgia de Animais de Companhia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) – São José dos Pinhais (PR), Brasil
IIProfessora Auxiliar de Semiologia, Clínica e Cirurgia em Animais de Companhia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR)- São José dos Pinhais (PR), Brasil
IIIMédica Veterinária Patologista – Curitiba (PR), Brasil
IVProfessora-assistente doutora de Patologia Veterinária da Universidade Estadual Paulista (Unesp) – Botucatu (SP), Brasil
VMédico veterinário residente em Clínica e Cirurgia de Animais de Companhia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) – São José dos Pinhais (PR), Brasil

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RESUMO

O eritema necrolítico migratório é rara dermatose caracterizada por lesões erodo-ulcerativas e crostosas em áreas intertriginosas, junções mucocutâneas, superfícies articulares e de apoio crônico, que tem sido descrita em seres humanos, cães, gatos e rinocerontes. Sua etiologia tem sido relacionada a neoplasias pancreáticas, mormente das células alfa produtoras de glucagon, e a graves doenças do parênquima hepático ou gastroentérico. Relata-se o caso de um cão com necrose epidérmica metabólica secundária a glucagonoma, que apresenta fortes similaridades com a síndrome do glucagonoma em humanos.

Palavras-chave: Cães; Glucagonoma; Neoplasias; Pâncreas

ABSTRACT

Nail fold Necrolytic migratory erythema is a rare skin dermatosis characterized by erosive and crusted lesions in intertriginous areas, mucocutaneous junctions, articular areas and pressure points. It has been described in humans, dogs, cats and rhinoceros. The cause of this condition is related to glucagon-secreting alpha cell tumor of the pancreas, severe hepatopathy or gastrointestinal disease. Here, we report the case of a dog with necrolytic migratory erythema due to glucagonoma, closely resembling the glucagonoma syndrome observed in humans.

Keywords: Dogs, Glucagonoma; Neoplasms; Pancreas

INTRODUÇÃO

O eritema necrolítico migratório (ENM) é rara dermatose, de curso crônico e prognóstico reservado, decorrente de depleção protéica e necrose epidérmica, que em geral representa, em seres humanos, síndrome paraneoplásica associada a tumores pancreáticos que secretam glucagon e, mais raramente, está relacionada a cirrose hepática ou a tumores gastrointestinais neuroendócrinos.1,2

Dermatose similar tem sido observada em cães, gatos e rinocerontes negros. Em cães, essa afecção tem acometido principalmente animais adultos ou idosos, sem predisposição racial e sexual, sendo mais propriamente denominada necrose epidérmica metabólica (NEM),3 dada a ausência do caráter migratório das lesões, que é evidenciado em humanos. Na espécie canina, a NEM tem sido associada sobretudo a graves doenças do parênquima hepático (hepatopatias crônicas, cirrose e neoplasias hepáticas) sendo raramente decorrente de neoplasias pancreáticas, produtoras ou não de glucagon, e de enteropatias do intestino delgado.4

Em razão das semelhanças dessa dermatose entre as espécies canina e humana, cabe relatar, pela primeira vez no Brasil, caso de NEM secundária a glucagonoma em um cão, relacionando seus aspectos clinicopatológicos, terapêuticos e prognósticos.

RELATO DO CASO

Animal da espécie canina, fêmea, com seis anos de idade, sem raça definida, foi atendido na Unidade Hospitalar de Animais de Companhia da PUC-PR com história de dermatose ulcerativa de um ano de evolução, já tratado com antibióticos, antifúngicos, anti-histamínicos e antiinflamatórios esteróides sem involução do quadro clínico. Concomitante ao quadro tegumentar, o paciente apresentava história de poliúria, polidipsia e grave emaciação (Figura 1) associada a diarréia crônica, caracterizada por fezes volumosas e com partículas alimentares não digeridas.

Ao exame clínico foram observadas lesões erodidas e eritematosas, circinadas e confluentes, associadas a intensa descamação laminar, envolvendo áreas intertriginosas e de apoio crônico (Figura 2), além de fissuras e ceratose dos coxins palmoplantares (Figura 3) e lesões erosivas, encimadas por espessas crostas ceratóticas e hemáticas, na ponte nasal e em junções mucocutâneas (Figura 4).

Múltiplos raspados das lesões resultaram negativos para Demodex canis e Sarcoptes scabiei. Ao hemograma foram observadas anemia e leucocitose por neutrofilia. O exame de urina revelou isostenúria e glicosúria. Na avaliação bioquímica sérica constataram-se hipoalbuminemia e hiperglicemia, não havendo alterações enzimáticas indicadoras de lesão hepatocelular e colestase. O valor dos níveis de insulina sérica, avaliada por radioimunoensaio, foram normais.

As avaliações histopatológicas, com coloração pela hematoxilina-eosina, mostraram acentuada hiperceratose paraceratótica, vacuolização dos ceratinócitos da camada granulosa e hiperplasia epidérmica regular, subsidiando o diagnóstico de NEM (Figura 5). Ao exame ultra-sonográfico abdominal, evidenciou-se nódulo pancreático com 2cm de diâmetro, não sendo observadas alterações do parênquima hepático.

O diagnóstico de NEM secundária à neoplasia pancreática foi então estabelecido, sendo o animal submetido à laparotomia exploradora. Durante o procedimento, observou-se a presença de três nódulos circunscritos e firmes com diâmetros variáveis, localizados no corpo do pâncreas e aderidos ao peritônio, sendo realizada pancreatectomia parcial. Devido à deterioração do quadro clínico, o animal evoluiu desfavoravelmente a óbito durante o pós-operatório imediato.

O exame histopatológico dos nódulos pancreáticos revelou a presença de neoplasia do pâncreas endócrino (Figura 6). O estudo imuno-histoquímico pela técnica da avidina-biotina-peroxidase dos nódulos pancreáticos permitiu o diagnóstico de neoplasia das ilhotas pancreáticas produtoras de glucagon, sinaptofisina (SY38) e cromogranina A (LK2H10).

DISCUSSÃO

O eritema necrolítico migratório foi descrito pela primeira vez em humanos, em 1942, em paciente com carcinoma pancreático de células das ilhotas. Sua incidência está na ordem de um a cada 30 milhões de pessoas por ano, havendo maior predisposição para sua ocorrência no sexo feminino.5

A incidência da NEM em cães é desconhecida, sendo considerada rara.6 Outerbridge et al. (2002),7 em estudo com 36 cães com NEM, observaram que 27 (75%) eram machos, 22 (61%) não tinham raça definida, havendo prevalência em animais de meia-idade ou idosos.

A patogênese da NEM é pouco compreendida. A maioria dos investigadores concorda que a erupção cutânea seja resultante da hiperglucagonemia e hipoaminoacidemia. 6,8 O glucagom controla, via gliconeogênese, o metabolismo dos aminoácidos, podendo, em altas concentrações, provocar diminuição dos níveis de aminoácidos plasmáticos, depleção protéica epidérmica e necrose cutânea.6,9 A causa da degeneração epidérmica provavelmente resulta da inanição celular ou de desequilíbrio nutricional, o que foi corroborado pelo fato de alguns pacientes humanos terem apresentado remissão do quadro cutâneo após nutrição parenteral total, apesar da hiperglucagonemia persistente. 1 Paralelamente, pacientes com hiperglucagonemia ou com insuficiência hepática podem apresentar hipoalbuminemia, o que diminui a eliminação epidérmica de radicais livres e mediadores inflamatórios, conduzindo a necrose epidérmica metabólica, predominantemente em áreas de apoio crônico, locais em que eles são mais freqüentemente formados.10

Em humanos, as lesões tegumentares do ENM predominam na região da face não epilada, períneo, região mentoniana, pontos de proeminência óssea e nas extremidades dos membros, consistindo de eritema, erosões, lesões vesicopustulares, havendo tendência ao crescimento centrífugo das lesões circinadas e hiperpigmentação residual no centro das lesões. Queilite angular e glossite também têm sido comumente observadas. 11

Em cães, a NEM se caracteriza por lesões erosivas ou ulceradas, escamosas, geralmente encimadas por espessas crostas ceratóticas, nas superfícies articulares, nos pontos de proeminência óssea e nas junções mucocutâneas. Os coxins palmoplantares apresentam- se ceratóticos, edemaciados, fissurados e crostosos. 12

Em humanos, as erupções tegumentares podem preceder outros sintomas de neoplasias pancreáticas por vários anos. As principais manifestações sistêmicas da síndrome do glucagonoma incluem perda de peso, anemia, diabetes ou, em sua ausência, intolerância a glicose.13

Em cães, os achados sistêmicos mais comumente observados são acentuada emaciação, síndrome de má absorção, anorexia, vômitos, dor abdominal, poliúria e polidipsia associada à síndrome diabética.14 Nos oito relatos na bibliografia de glucagonoma canino, em 25% dos casos constatou-se diabetes melitus.8 A síndrome do glucagonoma em cães e em humanos tem sido associada a intensa hiperglucagonemia e a marcante hipoaminoacidemia.7,8

O exame histopatológico é necessário para confirmação do ENM, sendo que os achados são similares tanto em cães como em humanos, observando-se hiperceratose paraceratótica, vacuolização dos ceratinócitos, espongiose e, nas lesões crônicas, hiperplasia epidérmica, formação de crostas superficiais e infiltrado inflamatório intersticial superficial liquenóide.1

Em cães, o tratamento de escolha para a NEM secundária a glucagonoma é a completa ressecção cirúrgica da neoplasia pancreática. Há descrição de remissão completa do quadro dermatológico e normalização dos valores laboratoriais em um cão com NEM, quatro meses após a exérese cirúrgica de glucagonoma. 8, 15 Em humanos, a cura após a excisão cirúrgica, ocorreu em apenas 30% dos casos, já que existia metástase hepática em 75% dos pacientes no momento do diagnóstico.11 A suplementação dietética com zinco, aminoácidos e ácidos graxos deve ser indicada, levando a redução das lesões dermatológicas, tanto em cães como em humanos.

Apesar da melhora do quadro dermatológico pós-cirúrgico e de suporte nutricional de oito casos de NEM secundária a glucagonoma em cães, sete foram eutanasiados, sendo que um cão teve sobrevida de quatro meses, sugerindo mau prognóstico para os casos de NEM secundária a tumores pancreáticos em cães.8

O presente caso apresenta múltiplas similaridades com o eritema necrolítico migratório secundário a glucagonoma em seres humanos, sendo um sinal dermatológico de grave doença interna, podendo a NEM em cães servir de modelo clinicopatológico para estudos em medicina comparada. q

REFERÊNCIAS

1. Scott DW, Miller WH, Griffin CE. Endocrine and meta bolic diseases. In: Scott DW, Miller WH, Griffin CE, editors. Miller & Kirk’s Small Animal Dermatology. 6 ed. Philadelphia: W B Saunders; 2001. p. 780-885.

2. Weismann K. Skin disorders as markers of internal dis ease. Paraneoplastic dermatoses. Ugeskr Laeger. 2000;162:6834-9.

3. Bond R, McNeil PE, Evans H, Srebernik N. Metabolic epidermal necrosis in two dogs with different underly ing diseases. Vet Rec. 1995;136:466-71.

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7. Outerbridge CA, Marks SL, Rogers QR. Concentrações de aminoácidos plasmáticos em 36 cães com dermatite necróltica superficial confirmada histologicamente. Vet Dermatol. 2002;13: 177-86.

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11. Fitzpatrick TB, Johnson RA, Wolff K, Polano MK, Suurmond D. Sinais cutâneos de cancros sistémicos. Em: Fitzpatrick TB, Johnson RA, Wolff K, Polano MK, Suurmond D. Atlas de cores e Sinopse da Dermatologia Clínica: doenças comuns e graves. 3 ed. New York: Mc Graw Hill; 1997. p.504-31.

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14. Byrne KP. Necrose epidérmica metabólica – síndrome neural hepatocuta. Vet Clin North Am Small Animals Pract. 1999; 29: 1337-55.

15. Torres SM, Caywood DD, O’Brien TD, O’Leary TP, McKeever PJ. Resolution of superficial necrolytic dermatitis following excision of a glucagon-secreting pancreatic neoplasm in a dog. J Am Anim Hosp Assoc. 1997;33:313-9.

Endereço para correspondência/Mailing Address:
Marconi Rodrigues de Farias
Hospital Veterinário da Pontifícia Universidade
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Tel.:(41) : 3299-4361
E-mail: [email protected]

Recebido em 31.10.2005.
Aprovado pelo Conselho Consultivo e aceito para publicação em 31.03.2008.

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