Uma tecnologia controversa capaz de alterar os genomas de espécies inteiras foi aplicada aos mamíferos pela primeira vez. Em um artigo publicado1 no servidor de pré-impressão do bioRxiv em 4 de julho, os pesquisadores descrevem o desenvolvimento de ‘discos genéticos’ – que poderiam ser usados para erradicar populações animais problemáticas – em ratos de laboratório usando a técnica de edição de genes CRISPR.
Os discos genéticos garantem que as mutações escolhidas sejam passadas para quase todos os descendentes de um animal. Elas já foram criadas em mosquitos no laboratório, como uma estratégia potencial de controle da malária. Pesquisadores levantaram a possibilidade de que a tecnologia possa ajudar a matar ratos invasores, ratos e outras pragas de roedores. Mas o último estudo trava as esperanças de que isso aconteça a qualquer momento, dizem os cientistas. A técnica funcionou de forma inconsistente em ratos de laboratório, e uma miríade de obstáculos tecnológicos permanece antes mesmo que os pesquisadores possam considerar liberar a ferramenta na natureza.
“Há uma indicação de que poderia funcionar, mas também é sóbria”, diz Paul Thomas, um geneticista de desenvolvimento da Universidade de Adelaide, na Austrália, que não estava envolvido na pesquisa. “Há muito mais a fazer antes de se poder considerar a condução genética como uma ferramenta útil para o controle populacional de roedores”. Seu laboratório está fazendo um trabalho similar, como parte de um consórcio internacional para usar a genética para combater roedores invasivos.
A genética funciona assegurando que uma proporção maior da descendência de um organismo herde um certo gene ‘egoísta’ do que aconteceria por acaso, permitindo que uma mutação ou gene estranho se propague rapidamente através de uma população. Eles ocorrem naturalmente em alguns animais, incluindo ratos, onde podem causar a morte ou infertilidade. Mas a revolucionária ferramenta de edição de genes CRISPR-Cas9 levou ao desenvolvimento de genes sintéticos que são concebidos para eliminar espécies problemáticas, tais como os mosquitos transmissores da malária, da natureza, por exemplo, assegurando que os descendentes sejam inférteis. A tecnologia tem atraído controvérsia – e até mesmo uma tentativa fracassada de proibir seu uso globalmente – porque, se liberada na natureza, os organismos portadores de unidades genéticas podem ser difíceis de conter.
Uma equipe liderada por Kim Cooper, geneticista de desenvolvimento na Universidade da Califórnia, San Diego, não tentou desenvolver uma unidade genética para tornar inférteis os ratos de laboratório (Musculus musculus). Ao invés disso, o objetivo dos pesquisadores era criar um banco de ensaio para a tecnologia, que eles dizem que também poderia ser útil na pesquisa básica: eles enviesaram a herança de uma mutação que dá a ratos pelagem totalmente branca, ao invés de infertilidade.
Unidades genéticas baseadas noCRISPR usam a ferramenta de edição de genes para copiar uma mutação em um cromossomo para o segundo do par, geralmente durante o desenvolvimento inicial de um animal. Quando a equipe de Cooper tentou isso em embriões de camundongos, a mutação nem sempre foi copiada corretamente, e o processo funcionou apenas em embriões femininos.
A equipe estimou que isso poderia levar a uma mutação sendo transmitida para cerca de 73% da descendência de uma fêmea de camundongo, em média, ao invés dos usuais 50% para a maioria dos genes operando sob as regras normais de herança. Cooper se recusou a comentar o trabalho de sua equipe, porque ainda não foi publicado em uma revista revisada por pares.
Tony Nolan, biólogo molecular do Imperial College London, que faz parte de uma equipe de desenvolvimento de unidades genéticas em mosquitos portadores de malária, está animado em ver que as unidades genéticas podem, pelo menos, funcionar em roedores. Mesmo que a tecnologia não se torne uma ferramenta de erradicação, ela poderia ser mais eficiente do que as tecnologias existentes na produção de animais de laboratório transgênicos que modelam doenças causadas por múltiplas mutações, diz ele.
Outros pesquisadores concordam que o estudo é importante, mas dizem que ele também mostra até onde a tecnologia tem que ir nos roedores. “Você poderia imaginar esse impulso genético na natureza? Isso não vai acontecer”, diz Gaétan Burgio, um geneticista que trabalha no CRISPR na Universidade Nacional Australiana em Camberra. A eficiência relativamente baixa da técnica significa que seriam necessárias muitas gerações para que o impulso genético se espalhasse por toda uma população de roedores, deixando muito tempo para as espécies desenvolverem resistência.
Thomas descreve os resultados como uma “verificação da realidade” dos esforços para desenvolver o impulso genético em roedores. “Ele dá uma indicação de quanto ainda há para avançar”, diz ele. O trabalho futuro deve procurar melhorar a eficiência, assim como entender porque a técnica não funciona em ratos machos, acrescenta Thomas.
Ele é membro de um consórcio chamado Genetic Biocontrol of Invasive Rodents, ou GBIRd, que espera implantar unidades genéticas contra ratos e camundongos.
As unidades genéticas doCRISPR não são a única estratégia do consórcio para lidar com roedores invasivos. O membro da GBIRd David Threadgill, geneticista da Texas A&M University in College Station, e sua equipe estão trabalhando com uma unidade de genes que ocorre naturalmente em ratos, chamada de t-haplótipo. Os pesquisadores planejam modificar esse gene egoísta para criar ratos sem filhas: fêmeas carregando duas cópias darão à luz apenas machos, potencialmente levando a um colapso populacional.
A tecnologia de condução de genes deve se mostrar eficaz no controle de roedores, as ilhas são um banco de ensaio ideal, diz Heath Packard, diretor da Island Conservation em Santa Cruz, Califórnia, um parceiro da GBIRd que se concentra na erradicação de pragas invasivas. Os pesticidas roedores que eliminaram ratos e ratos problemáticos em ilhas pequenas são muito arriscados para serem usados em ilhas maiores, com ecossistemas complexos e grandes populações humanas, diz Packard. As unidades Gene, que poderiam estar contidas nas ilhas, ainda são uma tecnologia que vale a pena investigar. “Temos esperança que esta possa ser uma ferramenta que possa servir à comunidade de restauração da ilha”, diz ele, “mas não sabemos se vai funcionar”