O dia 22 de dezembro marca 31 anos desde o assassinato de Chico Mendes, o seringueiro amazônico que foi morto por seu incansável trabalho em defesa da floresta tropical que era sua casa, seu sustento e sua fonte de admiração.
Este artigo explora a vida, o trabalho e o assassinato de Chico Mendes. Reflete sobre suas muitas qualidades como seringueiro, construtor de alianças, defensor da floresta e, acima de tudo, como símbolo de esperança para os povos da floresta amazônica, e cada pessoa ao redor do planeta que respira porque a Amazônia respira.
Como a maior floresta tropical do mundo enfrenta a maior expansão de destruição das últimas décadas, honramos a memória de Chico na esperança de que, lembrando-o, possamos nos conectar com nosso próprio dever de proteger nosso planeta vivo.
Caçador de Borracha
Chico coletando borracha na floresta ao redor de sua casa perto de Xapuri, Brasil. Foto: Os arquivos da Fundação Gaia
Nascido em 1944, Chico Mendes foi saudado pela comunidade de Xapuri, no Estado do Acre, noroeste do Brasil. Ele e sua comunidade, como muitos outros, era composta de descendentes de índios e não-indígenas brasileiros escravizados ou indentados, forçados a trabalhar para os “barões” da borracha durante os seringueiros do início do século 20. O pai de Chico era seringueiro, assim como seu avô.
Como os colonos britânicos mudaram a produção de borracha para plantações mais fáceis de alcançar no sudeste asiático, muitos seringueiros brasileiros fecharam seus negócios e abdicaram de suas terras. Deixados por conta própria, livres de barões e patrões, comunidades de seringueiros como Xapuri finalmente puderam viver livremente e viver de forma sustentável de suas casas na floresta.
Chico, sua esposa Ilsamar e seus três filhos existiram desta forma durante grande parte da última parte da vida de Chico – vivendo dentro e fora da floresta em seus próprios termos. O primo de Chico, Raymundo Mendes do Barros, diz das comunidades de seringueiros em que ele e Chico cresceram:
“Não só ganhamos a vida da floresta, como a preservamos”.
Forest Defender
A Reserva Extrativista Chico Mendes a partir do ar. Foto: National Geographic Brasil
Entre 1964 e 1985, o governo militar brasileiro decretou políticas que representavam uma ameaça existencial tanto para a Amazônia quanto para as comunidades indígenas e seringueiras, como a do Chico. Buscando usar a floresta amazônica para o desenvolvimento econômico, o governo abriu a Amazônia para a compra e destruição por pecuaristas e investidores internacionais. Seguiu-se um desmatamento maciço.
Em resposta, Chico desempenhou um papel de liderança na união de sindicatos rurais de seringueiros, inclusive em sua comunidade de origem de Xapuri, em campanhas para proteger a floresta amazônica e seu modo de vida. A organização dos seringueiros no Acre inspirou outros em todo o Brasil, a começar a se organizar nacionalmente para defender a Amazônia.
Os membros da União colocaram suas vidas em risco através de ações diretas. Uma das estratégias mais famosas dos seringueiros foram os ‘empates’ ou barricadas, em que seringueiros e seus aliados bloqueariam fisicamente o caminho dos bulldozers e madeireiros nas fronteiras do desmatamento.
Todos estes sindicatos fizeram lobby para a criação de ‘reservas extrativistas’, nas quais as comunidades seringueiras poderiam viver e realizar suas atividades sem a ameaça do desmatamento e do assoreamento das terras. Como resultado de seu trabalho, mais de cem dessas reservas já existem em todo o Brasil, protegendo a vida, a subsistência e as casas florestais de milhares de pessoas e a imensurável biodiversidade.
Alliance Builder
Chico e sua esposa, Ilsamar, em casa. Foto: Wikimedia Commons
Chico tornou-se rapidamente um activista mundialmente reconhecido como sinónimo de proteger a Amazónia. Ele viajou para os EUA e mais além com sua mensagem de que as pessoas, como os seringueiros e os povos indígenas, podem viver com e da floresta em harmonia. Por seu trabalho de organização no terreno e conscientização global ele recebeu o Prêmio Global 500 do Programa Ambiental das Nações Unidas em 1987.
Durante suas muitas viagens, Chico começou, como ele mesmo disse, a ver que:
“No início eu pensei que estava lutando para salvar seringueiras, depois eu pensei que estava lutando para salvar a floresta amazônica. Agora percebo que estou lutando pela humanidade”
No final dos anos 80, Chico voltou sua atenção para a construção de alianças entre seringueiros e outros povos da floresta, incluindo nações indígenas em toda a Amazônia brasileira.
Chico forjou uma amizade particularmente firme com o líder indígena Ailton Krenak, do Povo Krenaki que vive ao longo do Rio Doce. Juntos eles criaram o Movimento do Povo da Floresta – uma aliança unida de diferentes povos da floresta – para melhor defender a Amazônia.
Em 1988 Gaia lançou o Grupo de Apoio ao Povo da Floresta e o Fundo do Povo da Floresta, para apoiar Chico, Ailton e outros líderes para organizar sua resistência e educar a sociedade sobre suas diversas culturas e seu papel na manutenção da vida na floresta. Nesse mesmo ano Chico recebeu a primeira pequena doação de Gaia – $500 por mês para que ele pudesse se dedicar a esse trabalho.
A Diretora da Gaia, Liz Hosken, recorda a energia sem limites de Chico e seu amor pela floresta tropical:
“Minha primeira memória de Chico foi quando ele nos levou através da floresta para conhecer outros seringueiros. O seu amor pela floresta irradiava dele – enquanto ele parava para nos apresentar entusiasticamente as plantas maravilhosas ao longo da nossa caminhada. Levou muito tempo para chegar ao nosso destino, e pelo caminho as pessoas apareciam do nada para cumprimentá-lo. Ele tinha tempo para todos e estava muito interessado em como eles estavam se saindo. Quando um dos membros do nosso grupo foi picado, ele olhou em volta e pegou uma folha que esfregou no ferrão para acalmá-lo, dizendo: “Olha! A floresta fornece tudo o que precisamos na vida – medicina aqui mesmo, quando precisamos, para uma picada e muito mais!”
Um Legado de Protecção
Newspaper clipping relatando o julgamento dos assassinos de Chico. Foto: Os arquivos digitais da Fundação Gaia.
A 22 de Dezembro de 1988, Chico Mendes foi morto a tiro fora de sua casa em Xapuri, no Estado do Acre, noroeste do Brasil – assassinado por Darci Alves da Silva, filho de um rancheiro local cujas terras e planos de expansão foram ameaçados pelos esforços de Chico para proteger a floresta.
O assassinato de Chico foi o mais importante de muitos outros assassinatos dos Defensores da Terra em 1988. Com níveis crescentes de repressão contra ativistas, o assassinato de Chico não foi uma surpresa para ele, ou outros que o conheciam bem.
Numa entrevista para o filme Voz da Amazônia, lançado postumamente em 1989, Chico disse:
“Eu já escapei de seis tentativas na minha vida… ainda tenho um compromisso moral comigo mesmo. Eu não posso abandonar a luta, mesmo que um dia eu deva ser atingido por uma bala assassina”, disse:
Então, como hoje, as pessoas corajosas que estão na linha de frente das lutas para defender a Terra enfrentam assédio, intimidação, tortura e assassinato. Em 2018, mais de três defensores da Terra eram mortos a cada semana. Vinte dos mortos defendiam ecossistemas e comunidades no Brasil.
“Chico não viveu para ver como sua semente inclusiva de conservação ambiental floresceu em movimentos e programas socioambientais em todo o mundo, mas seu senso de perseverança, direitos humanos, justiça e resistência continuam inspirando os povos da floresta e seus muitos aliados até hoje”, diz a Dra. Grace Iara Souza, ecologista política do Instituto Brasil do Kings College de Londres.
O assassinato de Chico foi relatado globalmente e, tal foi a força do seu trabalho, que a memória de Chico continuou a inspirar a proteção da sua amada floresta após a sua morte. Em 1990 a Reserva Extrativista Chico Mendes (Resex Chico Mendes) foi criada no seu estado natal, no Acre. A reserva continua sendo uma das maiores de seu tipo no Brasil, protegendo mais de 2 milhões de acres de floresta tropical e dando um lar e sustento a mais de 10.000 pessoas.
Chico também influenciou muitos ativistas, acadêmicos e outros do Brasil e do exterior que, inspirados pelo seu trabalho, estão dedicando suas próprias vidas à defesa da Amazônia em solidariedade com seus povos.
“Chico Mendes foi uma inspiração para mim desde minha infância. Quando eu era criança, eu o via como um defensor da natureza e de um lugar muito especial na Terra: a Amazônia. Chico, ao lado de seus parceiros florestais, era visionário ao pensar em outro tipo de ‘desenvolvimento’ para a Amazônia e em outro tipo de relacionamento, que era de união dos povos, ao invés de divisão. As forças que levaram ao assassinato de Chico Mendes não estavam agindo apenas contra a sua vida, mas contra a vida na Terra. Na época em que estamos vivendo agora, sua luta e as lições que aprendemos dela não poderiam ser mais contemporâneas. Devemos nos unir para defender a vida. Defender a floresta e seus povos é uma forma de fazer isso”, diz Carolina Comandulli, antropóloga brasileira do Centro de Antropologia da Sustentabilidade do University College London.
A volta do círculo
Amazônia de incêndios no estado de Rondônia, Brasil, 2019. (Foto: Victor Moriyama / Greenpeace)
É impossível ignorar as manchetes globais sobre os incêndios na Amazônia, os níveis crescentes de desmatamento, as mortes de defensores da floresta e a ressonância sinistra entre os planos do governo bolonaro para industrializar a Amazônia e os do antigo governo militar do Brasil.
Brasil está em um momento crítico, com o futuro da maior floresta tropical do mundo e o equilíbrio do sistema climático global em jogo. Depois de décadas de progressos cuidadosos para desacelerar o desmatamento, inspirados por Chico, Ailton e inúmeros outros, a segurança da Amazônia, e a dos povos que protegem a floresta, estão sob grande ameaça.
O governo do Brasil tem como alvo territórios indígenas e áreas protegidas para “desenvolvimento” e desmatamento. Isto inclui a Reserva Chico Mendes. Relatórios surgidos do Brasil nos últimos meses sugerem que o Governo Bolsonaro está procurando reduzir a extensão da reserva em favor dos interesses de um assaltante de terras responsável pelo desmatamento ilegal, bem como rebaixar o status do vizinho Parque Nacional da Serra do Divisor que protege a região do Juruá entre os territórios indígenas Poyanawa e Nukini no Norte, e o território Ashaninka e a Reserva Extrativista Alto Juruá no Sul.
Ao mesmo tempo, o governo procura silenciar e obscurecer o trabalho e o sacrifício dos defensores da floresta, como Chico, que estão no caminho de suas políticas destrutivas. No início deste ano, o ministro do Meio Ambiente do Brasil, Ricardo Salles declarou Chico Mendes “irrelevante”, afirmando “Não sei quem é Chico Mendes”, apesar de supervisionar o Instituto Chico Mendes, que é encarregado de cuidar das áreas protegidas do Brasil.
Como fizeram nos anos 80, os guardiões da Amazônia estão lutando para impedir este retrocesso catastrófico na proteção de um dos ecossistemas mais críticos do nosso planeta, que tem um papel vital no sistema climático da Terra.
Ao avançarmos para uma nova década, o aniversário de Chico proporciona um lembrete sóbrio de que para resistir a estas tempestades é preciso criatividade, construção de alianças e, sobretudo, coragem para defender o que é certo para toda a vida na Terra.
Chico Mendes em casa, na floresta que ele amava e protegia, batendo na borracha da forma tradicional. Foto: O Guardião